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domingo, 28 de agosto de 2011

Diretor da Unaids diz que o preconceito é uma das maiores barreiras à prevenção

Há dez anos, uma assembleia geral da ONU sobre Aids reuniu líderes mundiais e declarou a doença "uma emergência global". Agora, a partir do próximo dia 8, trinta chefes de estado e representantes de governo voltam a se reunir na ONU para avaliar as três décadas da epidemia. Nesta entrevista, o diretor do Programa de Aids, Michel Sidibé, afirma que o preconceito ainda é um dos maiores obstáculos à prevenção da doença.

O GLOBO: Já são três décadas da mais letal epidemia conhecida pela Humanidade, com um total de 60 milhões de pessoas atingidas. O que mudou nesses anos?
MICHEL SIDIBÉ: Há 30 anos, tratava-se de uma doença misteriosa, chamada de praga gay (ou câncer gay), as pessoas ficavam apavoradas. Hoje, conseguimos romper essa conspiração silenciosa, redistribuir oportunidades, baixar o preço das drogas do coquetel, forjar um novo pacto entre o sul e o norte e parcerias entre os países do sul. Para mim, a Aids ajudou a demonstrar que o movimento social pode mobilizar e produzir resultados.

O GLOBO: Quais os desafios imediatos?
MICHEL SIDIBÉ: Há 10 milhões de pessoas ainda sem tratamento no mundo. Há países que ainda negam acesso aos serviços (medicamentos e prevenção) a homens que fazem sexo com homens, prostitutas e viciados em drogas. Esse é um desafio imediato hoje. Por isso, pessoalmente, acho que a reunião deve focar nesses elementos para revolucionar a prevenção.

O GLOBO: O preconceito ainda é muito forte? Ainda é um problema sério na prevenção?
MICHEL SIDIBÉ: Para você ter uma ideia, em 116 países do mundo existe algum tipo de lei que criminaliza os profissionais do sexo. Em 79 países há leis homofóbicas ou que simplesmente não reconhecem a existência de homens que fazem sexo com homens. Confrontar o estigma e a discriminação é fundamental para uma resposta. A diferença é que hoje, ao contrário de apenas 5 anos atrás, esse assunto está na agenda.

O GLOBO: A epidemia seguiu cursos diferentes nos países desenvolvidos e nos em desenvolvimento. Isso era esperado? Os bons resultados foram alcançados apenas no mundo rico?
MICHEL SIDIBÉ: Nós não temos uma epidemia, mas múltiplas epidemias. E isso não é uma surpresa por causa das disparidades. Práticas globais propiciaram o crescimento da Aids. Quanto menos justiça, marginalização, educação e nutrição, mais Aids. A Aids mostra que o valor da vida não é o mesmo em diferentes partes do mundo. Numa parte, as pessoas não morrem mais da doença. Em outra parte, no entanto, há milhões esperando tratamento. Numa parte, bebês não nascem mais com Aids. Em outra, são 400 mil todos os anos. São dois lados da mesma moeda. Por isso é importante sim que as pessoas questionem a justiça social.

O GLOBO: A epidemia está mais controlada hoje?
MICHEL SIDIBÉ: Estamos quase revertendo a trajetória. Em 60 países o número de novas infecções está estabilizado ou sendo reduzido. No Brasil, a epidemia está estabilizada desde 2000 - o que mostra como avanços socioeconômicos e uma liderança forte reduzem o impacto da doença. Em 1996, quando o Brasil começou a distribuir remédios e preservativos, o país mudou o curso da epidemia. Naquela ocasião, Brasil e África do Sul tinham o mesmo nível de infecção. Hoje, o Brasil tem 0,6% e a África do Sul quase 20% de suas populações infectadas. Mesmo entre usuários de drogas, o Brasil conseguiu baixar de 16% para 5% a prevalência. Esses são exemplos de como a disponibilização de serviços têm um impacto importante.

Fonte: O Globo Online

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